«Partirei
esta noite ainda!» respondeu Phileas Fogg. E acrescentou: «Sendo hoje
Quarta-feira, 2 de Outubro, estarei nesta mesma sala, no Sábado,
21 de Dezembro, às 20 h 45 min», apostando 20.000 libras.
E assim começou a grande aventura d'A
Volta ao Mundo em 80 Dias (de Júlio Verne).
No dia 80 da sua viagem, o Sr Fogg alcança
Londres. Ao sair do combóio, olha para o relógio da estação,
e este marca 20h50. Perdeu a aposta!!
Antes do séc. XIX, a conservação da hora era um fenómeno puramente local. Cada localidade dispunha de um relógio central que marcava a sua hora oficial. Esta era acertada para o meio-dia, assim que o Sol atingia o zénite (ponto mais alto). A hora local obrigava os viajantes a acertarem constantemente os seus relógios à chegada a uma localidade nova.
Quando os caminhos de ferro começaram a operar, a definição dos horários das diversas companhias tornou-se crítica: cada paragem representava uma hora de referência diferente, o que gerava grandes confusões. Nos Estados Unidos da América, em que o comboio atravessava grandes distâncias, havia que respeitar as mais de 300 horas locais! A padronização de horas por grupos de localidades era essencial para uma operação eficiente do serviço. Assim, grande parte das empresas decidiram fixar cerca de 100 'fusos dos caminhos de ferro', usados nos horários até 1883.
Também
a Grã-Bretanha se preocupava com as várias inconsistências
das horas locais, em grande parte forçada pelas companhias de caminhos
de ferro britânicas. Seguindo a ideia de Dr.
William Hyde Wollaston (1766-1828), popularizada por Abraham Follett
Osler (1808-1903), foi criada uma única hora legal para todo o
país (Inglaterra, Escócia e País de Gales); era a
primeira nação mundial a implementá-lo! Esta hora
legal era medida pelo Observatório Real de Greenwich, em cooperação
(desde 1830) com outros observatórios mundiais, e fundamentava-se
em eventos astronómicos, em especial na rotação da
Terra. O Observatório de Greenwich havia já desempenhado
uma posição muito importante na navegação
marítima baseada na medição exacta do tempo. Na sequência,
na década de 1840, as diversas horas locais britânicas foram
substituídas pelo Greenwich
Mean Time (GMT) ou Tempo [1]
Médio de Greenwich, também conhecido por hora de Londres.
A primeira companhia de caminhos de ferro britânica a adoptar a hora de Londres foi a Great Western Railway, em Novembro de 1840. Rapidamente outras companhias a seguiram, e por 1847 quase todas usavam GMT. A 22 de Setembro de 1847, uma entidade de normalização industrial, a Railway Clearing House, recomenda que a hora GMT seja adoptada em todas as estações, assim que os Correios Centrais o permitissem. (Os Correios Centrais faziam a comunicação da hora por telégrafo). Em 1855 já a maioria dos relógios públicos da Grã-Bretanha apresentavam a hora GMT.
Em 1878, após estudar o movimento da Terra em conjunção com a contagem do tempo civil, o senador canadiano Sir Sanford Fleming (1827-1915) propôs um sistema internacional de fusos horários [time zones]. Ele recomendou que o planeta fosse dividido em 24 faixas verticais, cada uma delas representando um fuso de uma hora. Como o planeta tem 360° de circunferência, cada faixa teria uma largura de 15° longitudinais. Este estudo foi publicado em 1879 no Journal of the Canadian Institute of Toronto. Os EUA viram nesta proposta uma solução excelente para o problema dos horários dos caminhos de ferro. Assim, a 18 de Novembro de 1883 os caminhos de ferro americanos introduziram este sistema, reduzindo de 100 para 4 (!!) o número total de fusos horários em solo americano.
Em 1884 realizou-se a Conferência Internacional do Primeiro Meridiano, em Washington D. C., EUA, com o intuito de criar um padrão mundial da hora legal. Participaram 41 delegados de 25 países. Depois de estudados vários projectos, foi escolhido o preconizado por Sir Fleming. A origem do Meridiano deste sistema passaria pelo Observatório Real de Greenwich, convencionado com longitude de 0º. Os restantes fusos seriam contados positivamente para Este, e negativamente para Oeste, até ao Meridiano de 180º — o Anti-Meridiano, localizado no Oceano Pacífico. Aqui ocorreria a "Linha Internacional de Data". A resolução passou com 22-1 votos (San Domingo votou contra, França e Brasil abstiveram-se). Nem todos os países adoptaram de imediato as novas regras: Portugal só aderiu em 01/01/1912.
Como sabes, o movimento aparente do Sol é de Nascente para Poente, ou seja, de Leste para Oeste. Isto é, no mesmo instante, a Oeste é "mais cedo" e a Leste é "mais tarde" – por exemplo, quando o Sol está a nascer na Índia, em Portugal ainda é de madrugada.
Olha então para um mapa-mundo ou um globo terrestre. Fixa onde está Portugal. Ao caminhares daí para Nascente, num dado instante, um ponto a Leste estará a um número de horas "mais tarde" que Portugal. Continua a caminhar na mesma direcção; de repente, passarás para o outro lado do mapa (a parte Oeste, vista de Portugal). Chegado a Portugal, ter-se-iam passado já um total de 24h (a mais) desde o ponto de partida (pois foste sempre na mesma direcção). Ou seja, voltaste ao início, ao mesmo instante temporal da partida, mas um dia mais tarde! Portanto, a meio do percurso teria havido uma mudança de data, em que terias adiantado o calendário por mais um dia. Se um amigo teu tivesse executado o mesmo caminho, em condições iniciais iguais, mas no sentido inverso (para Oeste), chegaria com um dia de atraso.Vocês encontrar-se-iam no mesmo ponto, no mesmo instante, com dois dias de diferença!!
Para prevenir este problema, foi convencionado que a Linha Internacional de Data fosse no Anti-Meridiano de Greenwich. Aqui ocorre uma mudança de data: atravessando a linha em direcção a Oeste, vindo de Este (E -> O) há que retirar um dia à data, ou seja, reviver o mesmo dia; se a travessia for em direcção a Este (O -> E), há que acrescentar um dia.
Na figura podes verificar também a forma simplista como apresentam habitualmente o caso: Se em Greenwich (ou Portugal) forem 12h, então, no mesmo instante, serão 24h na longitude de 180º, acusando aqui uma mudança de data.
Com o advento das novas tecnologias, em especial dos relógios atómicos altamente precisos, foi reconhecido que a definição da hora baseada na rotação da Terra (tal como era feita pelo GMT) era inadequada. Paralelamente, em 1967 houve uma redefinição do segundo [2] com a precisão de cerca de um nanossegundo – a fórmula anterior apresentava flutuações de alguns milésimos de segundo por dia. As várias tentativas de relacionar a nova definição do segundo com a hora GMT eram altamente insatisfatórias. Por isso, foi criada uma nova escala horária; e a 1 de Janeiro de 1972 foi oficializada uma nova hora universal: Universal Time Coordinated (UTC), ou seja, o Tempo Universal Coordenado.
(Hora UTC quando acedeste a esta página)
Por vezes, ainda se ouve falar em hora GMT. Este é um termo desactualizado e por isso incorrecto. Dever-se-á, em vez disso, usar o termo UTC (ou então UT, abreviado), esse, sim, é o termo oficial e correcto. Em linguagem militar é comum apresentar a hora UT com um Z no final da mesma (hora Zulu), indicando a longitude zero.
Se reparares no mapa apresentado, as linhas de limite do fuso horário não seguem sempre as linhas de longitude na sua plenitude; contornam, na maior parte das vezes, as fronteiras de cada país – esta é uma opção que recai sobre a autoridade do próprio país. Por exemplo, Portugal tem um fuso horário, isto é, uma só hora legal por todo o país; se quisesse ser rigoroso deveria ter dois. A China tem também só um (e deveria ter 4). Outros países, como a Índia ou a Austrália, optaram por um sistema de fusos fraccionado.
Agora
imagina que não
se tinha criado um sistema de fusos, e convencionado uma linha Internacional
de mudança de Data, no Anti-Meridiano. Todos os que viajassem para
Oeste perderiam um dia nas suas vidas sem o saberem como – tal aconteceu
à tripulação de Fernão
Magalhães na circum-navegação
do Mundo, em 1519. Pelo contrário, se viajassem para Este, iriam
descobrir que menos um dia teria passado. Foi o que aconteceu a
"Sim! Sim, sim, sim!!" gritou Passapartout [o fiel criado de Fogg]. "O Sr. enganou-se num dia! Nós chegamos 24 horas adiantados; mas só temos 10 minutos." Encetando uma correria louca, Phileas Fogg, arrastado pelo seu criado, conseguiu chegar nos segundos finais à sala do clube, ganhando a aposta! Afinal a viagem durara apenas 79 dias (legais)!!